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O novo precedente sobre coisa julgada em matéria tributária do STF possui desdobramentos quanto à elaboração e à publicação das demonstrações contábeis do exercício social encerrado em 31/12/2022?

Recentemente, a Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria (SNC) e a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) se uniram para a realização de ofícios circulares, cujo objetivo consistiu em orientar como devem ser feitas as demonstrações contábeis referentes ao exercício encerrado em dezembro de 2022, considerando aspectos relevantes oriundos do julgamento dos Recursos Extraordinários n. 949.297 e n. 955.227.

Os ofícios esclarecem dúvidas recorrentes quanto à referida decisão da Suprema Corte e seu alcance, destacando pontos sobre a relativização da coisa julgada, ou seja, a “quebra” de decisões tributárias definitivas. Essa relativização consiste em uma flexibilização de direitos adquiridos pelos contribuintes a partir de uma decisão judicial sem possibilidade de recursos, cujo questionamento agora será possibilitado quando houver novo pronunciamento da Corte em sentido contrário, fazendo com que o precedente perca seus efeitos.

Esse entendimento se dá no sentido de que uma decisão, ainda que alicerçada pela (até então) segurança jurídica concedida pelo trânsito em julgado, somente produzirá os seus efeitos enquanto perdurar o quadro fático e jurídico que a justificou, deixando de gerá-los na superveniência de qualquer alteração desses fatores. Em havendo as mesmas questões de fato e de direito apreciadas pela demanda judicial, permanece inviolável o direito adquirido, por meio do acionamento do Poder Judiciário, quanto ao passado, sendo exigida a cobrança “para frente” de um tributo a todos os contribuintes, na hipótese de novo posicionamento da Suprema Corte que assim determine.

Também foram esclarecidas, pelos referidos órgãos, informações quanto aos tipos de tributo que estariam sujeitos a este precedente, restando elucidado que a decisão não se aplica a tributos cujo fato gerador ocorra somente em um evento determinado, como o ITBI no incidente sobre a venda de um imóvel, por exemplo. A aplicabilidade se dá apenas aos tributos recolhidos de forma continuada, como a CSLL, cuja cobrança se renova ao longo do tempo. Nesse caso específico referente à CSLL, ainda é importante destacar que, diante de decisão anterior validando a cobrança do tributo, a Corte entendeu que não deveria fazer a chamada “modulação dos efeitos”, de forma que determinou o recolhimento dos valores passados, respeitado o prazo de prescrição. Caso haja outro tributo, em situação fática ou jurídica distinta, o STF poderá decidir se haverá ou não modulação.

A decisão, conforme a interpretação do ministro Luís Roberto Barroso, não apresentou surpresa aos contribuintes, visto que se abster do pagamento de tributos diante do aval do STF sem a provisão de recursos para essa finalidade se trata de uma “aposta”, de maneira que a decisão serve para mitigar uma suposta concorrência desleal entre agentes do mercado, obrigando-os em sua totalidade à contribuição como forma de reduzir o que entende como “vantagem competitiva em relação aos concorrentes em decorrência de desigualdade tributária”.

Quanto às orientações realizadas pela SNC e pela SEP referentes às mudanças citadas, para a elaboração das demonstrações contábeis de 31/12/22, destaca-se que, sem prejuízo da aplicação da Resolução CVM n. 44, deverão ser observados os pronunciamentos do CPC n. 24 e n. 25. Isto é, os dispositivos a seguir reproduzidos:

“CPC 24.9. A seguir são apresentados exemplos de eventos subsequentes ao período contábil a que se referem às demonstrações contábeis que exigem que a entidade ajuste os valores reconhecidos em suas demonstrações ou reconheça itens que não tenham sido previamente reconhecidos:
(a) decisão ou pagamento em processo judicial após o final do período contábil a que se referem as demonstrações contábeis, confirmando que a entidade já tinha a obrigação presente ao final daquele período contábil. A entidade deve ajustar qualquer provisão relacionada ao processo anteriormente reconhecida de acordo com o CPC 25 – Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes ou registrar nova provisão. A entidade não divulga meramente um passivo contingente porque a decisão proporciona provas adicionais que seriam consideradas de acordo com o item 16 do CPC 25; […]”.

“CPC 25.16. Em quase todos os casos será claro se um evento passado deu origem a uma obrigação presente. Em casos raros – como em um processo judicial, por exemplo –, pode-se discutir tanto se certos eventos ocorreram quanto se esses eventos resultaram em uma obrigação presente. Nesse caso, a entidade deve determinar se a obrigação presente existe na data do balanço ao considerar toda a evidência disponível incluindo, por exemplo, a opinião de peritos. A evidência considerada inclui qualquer evidência adicional proporcionada por eventos após a data do balanço. Com base em tal evidência:
(a) quando for mais provável que sim do que não que existe uma obrigação presente na data do balanço, a entidade deve reconhecer a provisão (se os critérios de reconhecimento forem satisfeitos); e
(b) quando for mais provável que não existe uma obrigação presente na data do balanço, a entidade divulga um passivo contingente, a menos que seja remota a possibilidade de uma saída de recursos que incorporam benefícios econômicos (ver item 86)”.

Compreende-se, portanto, que os tributos que eventualmente sejam reavaliados pelo Supremo e considerados constitucionais serão exigidos somente no ano seguinte, enquanto as contribuições poderão ser exigidas nos 90 dias seguintes à decisão, sendo imprescindíveis a análise e o auxílio de profissionais jurídicos e contábeis competentes para refletir sobre os impactos não só nas referidas demonstrações financeiras, mas também no cenário tributário e empresarial perpassado nos tempos atuais.

Por:
Nathália Zampieri Antunes – OAB/RS 111.498

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